Quem nunca sonhou em voltar atrás no tempo e, com os números da Mega-Sena na cabeça, fazer uma aposta
e ficar milionário? Ou ir para o passado e consertar uma grande
besteira? Ou evitar uma tragédia? A viagem no tempo é daquelas ideias
que retornam sempre ao longo da história, que sempre estão presentes nos
mitos, na filosofia, na literatura e no cinema. Já equipada com a
teoria da relatividade, a mecânica quântica e a gravitação quântica,
chegou a vez da ciência dar a sua palavra. Em Uma breve história do tempo, Stephen Hawking discute
o assunto no capítulo “Buracos de minhoca e viagem no tempo”. Se houver
viagem no tempo, ela só pode ocorrer em determinadas condições, para
garantir a estabilidade do próprio universo. Para evitar perigos e
paradoxos, Hawking supôs que as viagens no tempo estivessem sujeitas à Conjectura de Proteção da Cronologia. Esta seria uma conspiração das leis físicas que impediria os corpos macroscópicos de transmitirem informação para o passado.
Os mitos também têm a sua versão de Proteção da Cronologia para
evitar vazamentos do futuro em direção ao passado. Assim, a profetisa
troiana Cassandra só consegue antever a destruição de Troia sob a
condição de que ninguém acredite nela. De nada adianta ela implorar a
Príamo para destruir o cavalo de Troia. Porém, com mais frequência, as
previsões das sibilas (como são conhecidas as profetisas do mundo
antigo) apontam para um ponto de bifurcação entre dois futuros possíveis
— sua função é impedir que se tome o caminho desafortunado. A
bifurcação é outro modo cosmológico de nos protegermos de informações
vindas do futuro. No principal santuário grego, Delfos, ouvia-se a
sibila local (chamada de pitonisa) para, entre outras coisas, se evitar
um futuro terrível. O cenário da bifurcação também está presente entre
os profetas da tradição bíblica. Muitas vezes, o objeto da profecia era
um futuro a ser afastado por uma ação correta. Esse é o cerne da
história de Jonas, que foi tão persuasivo em alertar os habitantes de
Nínive sobre sua destruição se persistissem em sua iniquidade que eles
fizeram penitência e se corrigiram. Desse modo, Nínive foi poupada, mas
Jonas ficou furioso por sua profecia não ter se realizado. Como castigo
divino por essa explosão de vaidade, ele acabou engolido pela baleia.
Na Idade Média, a tradição das sibilas está ligada à dos profetas
hebraicos. Assim, no pavimento da Catedral de Siena, cuja construção
começou no século XIV, dez sibilas do mundo antigo estão representadas
junto dos profetas. A Idade Média tem também uma figura profética
original, a do Mago Merlin. Merlin aparece na literatura do ciclo
arturiano, que começa no século XII. E ele não era chamado de mago, mas
de profeta, como no romance do século XIII Merlin: Le Prophéte,
atribuído a Robert de Boron. Contudo, Merlin, diferentemente das
sibilas, não apenas vê o futuro. Ele viaja ao futuro (e ao passado) e de
volta à sua época. Merlin faz verdadeiras viagens no tempo.
Já a Revolução Industrial traz outra novidade. Ela permite que se concretizem velhos sonhos da humanidade: carruagens sem
cavalos, máquinas que voam, barcos que se deslocam debaixo d’água.
Desse modo, desde o final do século XVIII, surgem o trem, o dirigível
(mais tarde, o avião) e o submarino. E A máquina do tempo. Este
é o título do romance de H. G. Wells concluído em 1894. É interessante
que o primeiro esboço do romance, de 1887, tenha sido um conto
intitulado Os argonautas crônicos (aqui crônico é sinônimo de
temporal, ligado a Cronos, o deus do tempo). Tratava-se de uma
referência à viagem dos argonautas à distante Cólquida — a viagem por
excelência da Antiguidade. No século XIX, em que o planeta Terra vai
ficando cada vez mais encolhido pelas explorações, a nova Cólquida passa
a ser o espaço sideral infinito ou, com ainda mais ousadia, o timescape, um vasto descampado temporal, percorrido por máquinas do tempo.
Mas quais são os princípios de uma máquina do tempo? No século XX, a
Teoria da Relatividade Geral de Einstein, aliada à concepção de
dimensões extras para o espaço, o hiperespaço, fornece uma
possibilidade: os buracos de minhoca. Se houvesse um meio de
curvar suficientemente o espaço-tempo, como ocorre nas proximidades de
um buraco negro, poderíamos criar um tubo ou “buraco de minhoca” com um
comprimento relativamente curto no hiperespaço, mas cujas duas bocas
estivessem separadas por muitos anos-luz no espaço tridimensional. O
buraco de minhoca é um atalho no hiperespaço entre pontos separados no
espaço. Assim, se as bocas do buraco de minhoca estiverem em lados
opostos da galáxia, separados por, digamos, 50.000 anos-luz, a duração
da viagem dentro do buraco de minhoca poderia ser, digamos, de um ano,
pois a extensão é muito menor no hiperespaço.
Bem, o buraco de minhoca é uma máquina do tempo! Pela Teoria da
Relatividade, se o intervalo de tempo entre dois eventos, no caso a
entrada e a saída do buraco de minhoca, for mais curto que o tempo para a
luz se propagar de um ponto a outro, sempre será possível arranjar um
referencial em que a saída do buraco de minhoca será anterior à entrada.
Desse modo, a travessia pelo buraco de minhoca é também uma viagem para
trás no tempo. Por um arranjo conveniente das duas bocas do buraco de
minhoca, em que elas estejam próximas e se movendo uma em relação à
outra, ele pode ser transformado em uma máquina do tempo.
A viagem no tempo pode acarretar uma série de paradoxos e perigos. É
bem conhecido o paradoxo do avô, em que, de volta ao passado, causamos a
morte do nosso avô antes de ele gerar descendentes e desse modo nós não
existiríamos!!! Uma solução para isso é fornecida pelo cenário da
bifurcação, ou das histórias alternativas, uma abordagem defendida pelo
físico David Deutsch. Ao viajarmos ao passado cairíamos em um ponto de
bifurcação onde entraríamos na linha de tempo de uma história
alternativa. Já Stephen Hawking adota outra hipótese, a Conjectura de
Proteção da Cronologia, em que as leis físicas conspiram para evitar a
viagem do tempo por objetos macroscópicos, como nós.
Pode haver outras formas de Proteção da Cronologia além das imaginadas por Hawking. Em qualquer viagem ao passado, o universo é perturbado pela própria viagem em si. O “efeito borboleta” ilustra como pequenos desvios podem levar a grandes efeitos. Na teoria do caos, o efeito borboleta é a extrema sensibilidade às condições iniciais de um sistema caótico, como por exemplo, a atmosfera. O termo foi usado pela primeira vez pelo meteorologista Edward Lorenz em uma conferência de 1972, mas a referência à borboleta perturbadora é mais antiga, do conto Um som de trovão, de Ray Bradbury (1952). No conto, turistas do tempo viajam à era dos dinossauros. Na volta, encontram o mundo sutilmente mudado — por exemplo, o inglês tem uma escrita fonética. Um dos turistas descobre então uma borboleta da época do Tyrannosaurus rex esmagada na sola da sua bota.
Pode haver outras formas de Proteção da Cronologia além das imaginadas por Hawking. Em qualquer viagem ao passado, o universo é perturbado pela própria viagem em si. O “efeito borboleta” ilustra como pequenos desvios podem levar a grandes efeitos. Na teoria do caos, o efeito borboleta é a extrema sensibilidade às condições iniciais de um sistema caótico, como por exemplo, a atmosfera. O termo foi usado pela primeira vez pelo meteorologista Edward Lorenz em uma conferência de 1972, mas a referência à borboleta perturbadora é mais antiga, do conto Um som de trovão, de Ray Bradbury (1952). No conto, turistas do tempo viajam à era dos dinossauros. Na volta, encontram o mundo sutilmente mudado — por exemplo, o inglês tem uma escrita fonética. Um dos turistas descobre então uma borboleta da época do Tyrannosaurus rex esmagada na sola da sua bota.
A
Proteção à Cronologia pode funcionar de um modo irônico. Recorrendo
mais uma vez à ficção científica, em um episódio da série de TV Painkiller Jane,
um neuro, ou seja, um mutante com superpoderes, tem a capacidade de
viajar no tempo e se propõe a matar um líder mundial, desencadeando um
conflito global. No início, a equipe de Jane, a heroína (ela própria um
neuro, dotada do poder de autoregeneração), consegue evitar o
assassinato, mas é morta por uma bomba. Prestes a ser capturado, o neuro
realiza um salto para trás no tempo e escapa. Aí se retorna ao ponto em
que a equipe está para invadir o esconderijo do vilão. Desdobra-se
então uma história alternativa. Jane pressente a bomba e a evita.
Novamente o neuro escapa e volta a alguns minutos no passado. A cada
retorno ao passado, ele se afasta cada vez mais do seu objetivo. O
conhecimento do futuro não lhe traz nenhuma vantagem. Ao contrário,
quanto mais conhece o futuro, mais ele se afasta do futuro que conhece.
Algo semelhante deve ter acontecido em 2014 no Brasil. Um viajante do
tempo saltou para antes do jogo Brasil versus Alemanha. Ele
tinha um sólido conhecimento do futuro. Alemanha 5, Brasil 1. Fez uma
aposta milionária. Para sua satisfação, a Alemanha começou a marcar um
gol atrás do outro. Mas logo veio o desespero. Sua viagem no tempo tinha
gerado uma onda de improbabilidade altíssima naquele universo. A
Alemanha venceu o Brasil por 7 a 1.
Amâncio Friaça é astrônomo do Instituto de Astronomia,
Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Trabalha
em astrobiologia, cosmologia, evolução química do universo e nas
relações entre astronomia, cultura e educação. Foi o responsável pela
revisão técnica da edição revista de Uma breve história do tempo, lançada em 2015 pela Intrínseca.
ESTE ARTIGO PERTENCE AO BLOG DA EDITORA INTRÍNSECA.